Eu sou um LGBT do Butão e meu país está no caminho de descriminalizar a homossexualidade

Tradução do texto de Tashi Tsheten originalmente postado na Vice.

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No dia 7 de junho, a Casa Inferior do Butão votou para banir as seções 213 e 214 do Código Penal do Butão, tomando um passo histórico para descriminalizar a homossexualidade no país himalaio. E enquanto o Ministro das Finanças do Butão, Namgay Tshering, ter chamado a existência dessa seção uma “mancha” na reputação do país, o comitê legislativo da Assembléia Nacional do Butão realizou uma moção para aprovar uma emenda do seu código penal no dia 10 de junho.

Tashi Tsheten – um jovem gay de 26 anos do Butão da cidade de Thimphu e diretor da organização LGBT Rainbow Bhutan – contou para a VICE sobre como é ser LGBT no país, e o que essa notícia significou para ele:

Crescer LGBT no Butão foi um pouco solitário

Eu não chegaria a dizer que crescer como pessoa LGBT foi difícil mas nunca houve muita visibilidade da comunidade LGBT no país. Na realidade, o Butão ofereceu acesso à televisão somente há 20 anos atrás! Além disso, nossa sociedade é muito patriarcal, o que significa que existem normas de gênero – marido e mulher. Isso me fez até questionar a minha sexualidade, e me frustrava a ideia de que eu não podia mudar a maneira que eu era.

Eu não tinha muitos amigos quando eu cresci. Eu tive alguns, mas eu não podia falar sobre a minha sexualidade porque naquela época porque eu não tinha as informações adequadas sobre isso. Na escola, eu tinha amigas trans que se identificavam como mulheres mas não podiam falar sobre isso porque, novamente, existia um sistema onde “meninos” tinham que usar roupas específicas. Não conhecer pessoas LGBT me fazia sentir extremamente sozinho.

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Bullying era comum porque se esperava que meninos agissem dessa maneira

Eu percebi que eu era gay em 2015 quando completei 22 anos. Antes disso, eu não sofria bullying por ser gay, mas por ser afeminado. As pessoas tentavam mudar o meu comportamento e até o meu circulo de amizades porque eu andava mais com meninas. Eles questionavam porque eu não praticava esportes e começaram a falar sobre a maneira que eu andava.

Então a minha primeira resposta ao bullying foi criar um mecanismo de defesa: eu ignorava as pessoas. Isso funcionou muito bem para mim, mas não era o mesmo para todos. Por exemplo, meu parceiro desenvolveu ansiedade, depressão e ataques de pânico por causa do bullying que ele sofreu na escola. Na realidade, eu tenho muita sorte por conseguir ignorar as pessoas e os seus comentários, e seguir em frente.

Eu tentei namorar com um perfil falso no facebook, e descobri a comunidade LGBT da minha cidade

Eu fiz um perfil falso no Facebook somente para encontrar e socializar com pessoas em 2015. Durante uma dessas conversas, alguém me convidou para um dos fóruns sobre HIV que a comunidade LGBT organizou em Thimphu. Foi quando eu decidi que era a hora de sair e ver o que estava acontecendo. Essa foi a primeira vez que eu vi pessoas que eram abertamente queer; nesse momento, algumas de minhas amigas trans tinham feito a transição.

Até então, eu tinha usado o Facebook para fins de namoro. Eu tinha ele por dois anos mas eu deletei ele quando eu conheci meu atual parceiro. Se você olhar para os perfils falsos no Butão, nós temos muitos deles. As pessoas não confiam nos outros com facilidade, geralmente, e especialmente a comunidade LGBT.

O Butão tem avançado muito porque nós somos um dos países que crescem mais rápido no mundo. E apesar da maioria das pessoas terem acesso às plataformas de mídia social hoje, aplicativos como o Grindr nunca foram populares. Isso porque nós somos marginalizados aqui e porque, nas redes sociais, nós vemos muitas pessoas LGBT fora do nosso país serem atacadas, espancadas, e até mesmo assassinadas, e por isso vivemos em constante medo. Ter um aplicativo de encontros queer nos nossos celulares pode ser um risco de segurança. Nós nunca sabemos como outras pessoas podem reagir.

Nós não lutamos ativamente pelos nossos direitos, mas nossos aliados sim

O movimento LGBT organizado começou depois de 2015, quando nós começamos a organizar programas relacionados ao HIV. Então, em 2017, diferentes comunidades LGBT e grupos se uniram e nós decidimos que o HIV não eram as únicas preocupações. Foi então que decidimos formar a Rainbow Bhutan.

Levantando as preocupações mais urgentes da comunidade foi a parte mais difícil, diferente de outros países, onde membros LGBT tinham diferente organizações. No Butão, por ser uma comunidade pequena, nós não podíamos ver diferentes sexualidades e identidades de gênero separadamente. O que nós concordamos mutualmente é que existe muita pressão sobre nós mesmo mesmo não ter existido uma perseguição contra a nossa comunidade antes.

Apesar de nós não nos reunirmos ativamente pela remoção dessa lei, nós conversamos sobre isso com as pessoas que realmente nos escutavam. É dessa forma que chegamos no atual movimento de descriminalizar as seções 213 e 214 pela nossa Assembléia Nacional (NA). O Ministro da Finança (Namgay Tsheringl) se posicionou e entrou com o pedido na NA. Ninguém tinha feito isso antes. Nenhum ministro tinha se levantado em favor de uma comunidade marginalizada.

A aprovação do projeto de lei na Casa Inferiro do NA aconteceu depois que o atual governo começou a revisar o código penal de 2011 do Butão. A remoção das seções 213 e 214 não estavam na agenda, nem era uma recomendação da força legal. No dia 10 de junho, o Comitê Legislativo unanimemente concordou em banir essa seção.

O movimento de remover leis anti-LGBT é surreal

Se você percebeu, a maioria dos movimentos da Ásia passaram pelo judiciário. Nós fomos aconselhados a fazer isso também mas nós nunca fizemos isso, especialmente porque nós não tínhamos os recursos necessários. Nós também decidimos que precisaríamos de paciência porque o nosso movimento era muito jovem. A Índia demorou duas décadas para descriminalizar a homossexualidade. Taiwan levou quase três décadas. Foi o que nos foi contado.

Quando realmente aconteceu, foi uma onda de emoções. Eu vi meus amigos chorarem. Eu fiquei sem palavas. Eu não sabia como agradecer os ministros e os aliados que realmente levantaram sua voz por nós. Isso foi surreal.

Nós nunca tínhamos paradas do orgulho, e talvez nunca tenhamos

Nós sempre acreditamos que as pessoas nunca quiseram nos descriminar, ou nos odiar por quem nós somos. É somente que as pessoas não sabiam da nossa existência. Até hoje, algumas pessoas chegam até nós e dizem que nunca encontraram pessoas LGBT. Esse é o nosso foco: na visibilidade e acesso da informação. Nós fomos para escolas, instituições, literalmente todos os lugares somente para conscientizar sobre a nossa existência. As pessoas só precisam entender, e eles entendem!

Talvez por isso o Butão nunca tenha uma parada do orgulho, e nós não planejamos realizar uma. Paradas do Orgulho são uma forma de ativismo onde as pessoas saem para as ruas e falam sobre políticas e mudanças legais; não é algo que nós do Butão concordamos. Mesmo como comunidade marginalizada, nós não acreditamos em tomar as ruas. Nós acreditamos em criar relações humanos e conquistar um por um. Conectar as pessoas. E essa a real mudança.

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Links relacionados:

Matéria original (Em inglês): I Am a Queer Bhutanese, and My Country Is on Its Way to Scrapping Anti-LGBTQ Laws

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